8 de dez. de 2011

As pequenas conquistas de cada dia




Uma das coisas que ganhamos de presente ao ter um filho com necessidades especiais é a possibilidade de triunfar com as pequenas conquistas do dia-a-dia. Antes de sentar, engatinhar e dar seus primeiros passos uma criança precisa conquistar uma infinidade de pequenas etapas - fortalecer sua musculatura, aprender a dominar seus movimentos e ter equilíbrio, são alguns exemplos. Como é um processo natural, quando uma criança se desenvolve precocemente, ou até mesmo na idade considerada normal pelos parâmetros de desenvolvimento, muitas vezes os pais nem percebem os pequenos movimentos que ela foi conquistando passo a passo, como manter a cabeça em pé, rolar-se e colocar-se de barriga, equilibrar-se em uma mão enquanto segura um brinquedo com a outra até conseguir finalmente sentar-se, percorrer a casa em seus joelhos e por fim andar.



Uma das fortes características de bebês com síndrome de Down e o seu baixo tono muscular. Esse aspecto é o responsável pelo retraso no processo de andar e falar, e quando bastante acentuado também pode ser o responsável por problemas digestivos, tal como intenso refluxo, constipação, e quando maiorzinhas dificulta a etapa de desfralde.


A hipotonia de Adam foi observada no momento em que a obstetra o retirou da minha barriga, inclusive, essa foi a principal característica que a fez suspeitar de que ele tinha a Síndrome. Por isso, Adam começou com sessões de fisioterapia desde o primeiro mês de vida, com exercícios voltados a cada etapa de seu desenvolvimento. Com esse processo, aprendemos que o estímulo é fundamental, mas principalmente aprendemos a respeitar o seu tempo.


E esse tem sido nosso desafio e a nossa gratificação – ter tempo. Quando ganhamos Adam, ganhamos também o direito de reservar muitas horas para estar com ele, o direito de brincar juntos, de escutar música, de dançar, de fazer os exercícios repassados pela fisioterapeuta, de levá-lo à natação, de dedicar-se no preparo de uma alimentação rica em fibras e dar um empurrãozinho ao bom funcionamento do seu sistema digestivo, ou simplesmente sair com ele num dia de sol e deixar que seus olhinhos curiosos absorvam impressões, absorvam vida.  

A recompensa tem sido enorme e a cada dia ele nos surpreende mais e mais, a cada pequena conquista temos o sentimento de que estamos no caminho certo, que tudo o que lemos nos livros sobre as infinitas possibilidades que uma criança com Síndrome de Down tem é real e funciona com nosso menino.


Semana passada foi um dia de festa, Adam finalmente sentou-se sem apoio e permaneceu assim, por bastante tempo. Isso significa que seus músculos abdominais estão se fortalecendo, nosso pequeno conquistou a primeira grande etapa, a próxima meta é engatinhar, mas até chegar aí vamos nos deliciar com o fascinante processo que temos adiante.



Eu bem que gostava da minha cadeirinha bamboo, mas sentar sozinho é mais divertido!

6 de nov. de 2011

Plagiocefalia



Quando Adam tinha seis meses nossa health visitor (aqui recebemos a visita de um agente de saúde a cada mês) nos alertou para o fato de que ele tinha plagiocefalia. Plagio o quê? Foi a nossa reação, nunca antes havíamos escutado essa palavra. Plagiocefalia posicional, um transtorno caracterizado por uma distorção assimétrica (achatamento lateral) do crâneo produto de uma postura prolongada numa só posição. Qualquer criança está sujeita à plagiocefalia, mas os bebês com Síndrome de Down têm mais propensão uma vez que devido ao seu baixo tono muscular, eles necessitam mais tempo para manter a cabeça firme, o que resulta em um maior tempo na mesma posição. A plagiocefalia não apresenta nenhum risco para o desenvolvimento do cérebro, é apenas uma questão estética que claro, a logo prazo pode apresentar problemas de ordem emocional às crianças afetadas. Eu já havia notado esse achatamento no lado esquerdo da cabeça do Adam desde que ele tinha seis, sete semanas, mas pensávamos que fosse mais uma característica da Síndrome.

A primeira pergunta que fizemos à health visitor foi se havia como corrigir isso, mas ela não tinha muito conhecimento do assunto, nos falou em um travesseiro especial, mas não sabia exatamente como funcionava. Assim, logo depois de sua visita, fomos para a internet e encontramos uma grande literatura sobre o assunto, tanto em inglês, como em espanhol. Junto com a investigação nos veio um questionamento, por que o sistema de saúde inglês não alerta aos pais da possibilidade de isso acontecer? Se soubéssemos desse risco poderíamos haver usado procedimentos simples que podem evitar esse achatamento (ao final do texto há informações mais detalhadas sobre métodos de prevenção), mas esse alerta parece ser ignorado pelo Sistema. Outro questionamento foi por que esperaram tanto tempo para nos alertar? Adam foi visto desde os dois meses de idade por três pediatras diferentes, cinco vezes pela fisioterapeuta, seis pela health visitor e duas vezes pela enfermeira do GP (o nosso posto de saúde) por que ninguém nunca nos falou sobre o assunto? Por que somente aos seis meses, quando ele já apresentava uma acentuada plagiocefalia a health visitor nos avisou? Se soubéssemos antes, cuidados posicionais poderiam ter corrigido a deformação.

Conhecedores do problema fomos em busca de um tratamento pelo NHS (sistema nacional de saúde do Reino Unido) e mais uma vez nos decepcionamos, o NHS não fornece qualquer tipo de tratamento. Quando expomos o caso à pediatra e à fisioterapeuta ambas disseram que o problema dele não é tão grave, pois a face não foi comprometida e com o tempo a cabeça dele “poderia” voltar ao normal. A única sugestão da fisioterapeuta foi que comprássemos um travesseiro especial, o que fizemos, mas na verdade descobrimos que esse travesseiro funciona mais como método preventivo que corretivo. Sem um respaldo dos especialistas mais uma vez fomos para a internet e descobrimos uma clínica particular em Londres especializada nesse tipo de tratamento. Conforme já sabíamos, após os exames eles detectaram que Adam tem uma severa plagiocefalia e dificilmente voltaria ao normal sem uma intervenção. Por outro lado recebemos muito boas expectativas quanto ao tratamento, pois até os dois anos de idade a moleira não está totalmente fechada e essas mudanças são perfeitamente possíveis.

O tratamento se consiste no uso de um capacete, feito à medida da cabeça do Adam, por um total de 22 horas por dia, o objetivo é direcionar o crescimento da cabeça às partes em que o osso do crâneo está achatado, dando uma forma mais simétrica. Os resultados são excelentes, tivemos oportunidade de ver crianças que corrigiram o problema em três, quatro meses. Em função de que a cabeça do Adam poderá crescer um pouco mais lentamente, devido à Síndrome, os médicos deram um prazo de seis meses de tratamento.

Há três semanas Adam está com seu super capacete, ele me lembra a formiguinha atômica do desenho animado de quando eu era criança, afinal ele está cada vez mais ágil e serelepe. A aceitação do capacete foi ótima desde o primeiro dia, ele sorriu, brincou e até fez pose para fotos. No terceiro dia ele começou a usá-lo também durante a noite e desde a primeira vez dormiu o tempo todo. Agora é esperar que passem os seis meses!   

Métodos de prevenção da Plagiocefalia:

Durante a noite:

Se a criança dorme com a cabeça sempre virada para o mesmo lado ( para a cama dos pais ou para uma janela ou porta), mude a direção da cabeça a cada dia ou a cada dois dias. Assim ela vai não fazer pressão sempre no mesmo lado da cabeça;

No Reino Unido existem orientações bastante rígidas quando ao não uso de travesseiros durante a noite para evitar o risco de sufocamento, entretanto existem travesseiros especiais que podem ser usados durante a noite até que a criança não consiga virar-se enquanto dorme. O travesseiro evita que a cabeça esteja sempre em contato com a superfície dura do colchão.

Durante o dia:

Desde os primeiros meses de vida, busque deixar a criança dormir de bruços ou de lado (alternando o lado) nos momentos em que alguém pode estar vigiando :
Quando estiver acordada coloque-a de barriga para baixo sobre a barriga de um adulto, essa atividade é chamada de tummy time e além de ajudar a prevenir a plagiocefalia, também auxilia no fortalecimento da musculatura do pescoço bem no desenvolvimento da coordenação motora da criança.


Sou a formiguinha atomica e vim para te salvar da monotonia!

2 de out. de 2011

Bem-vindos à Holanda



Nos primeiros dias após o nascimento de Adam meus queridos cunhados Abdallah e Katja nos enviaram dos Estados Unidos (onde vivem) um livro chamado “Babies with Down Syndrome - a new parent’s guide” editado por Susan J. Skallerup. É uma excelente leitura e eu a recomendo a todos os pais e familiares que são marinheiros de primeira viagem nessa aventura.
Esse livro foi uma espécie de bíblia aqui em casa, pois naqueles dias sabíamos muito pouco sobre as particularidades da síndrome e da maneira como ele foi escrito (cada característica da síndrome é abordada em capítulos diferentes e escrita por diferentes profissionais ligados a área) sempre podíamos ir diretamente `as respostas de cada dúvida que nos ia surgindo.  Foi então que me deparei com o texto cujo título dei o nome a esse post.  Ele foi escrito pela escritora e roteirista americana Emily Pearl Kingsley que também  tem um filho com síndrome de Down.

Bem-vindos à Holanda[1]

Esperar um filho é como planejar uma fabulosa viagem de férias a Itália. Você compra um completo guia de viagem e faz planos maravilhosos. O Coliseu. O David de Michelangelo. As gôndolas em Veneza. Você pode também aprender algumas frases em italiano. É tudo muito excitante.
 Depois de meses de intensa preparação, finalmente chega o dia. Você faz as maletas e parte.  Muitas horas depois o avião aterrissa.  A aeromoca vem e diz: “Bem vindos à Holanda”.
“HOLANDA?!?”  Você diz. ”O que você quer dizer com Holanda?? Eu fiz uma reserva para ir a Italia! Eu supus que estaria na Italia. Toda minha vida eu sonhei  com ir a Itália.”  
Mas ouve uma mudança no plano de voo. Eles aterrissaram na Holanda e é aí que você tem que ficar. 
O importante é que não lhe levaram a um lugar horrível, nojento, imundo, pestilento com gente faminta e doente. Trata-se simplesmente de um lugar diferente.  
Assim, você tem que sair e comprar novos guias de viagem. Você deve encontrar todo um novo grupo de pessoas que você nunca conheceu antes.
É somente um lugar diferente, com um ritmo menos lento que Itália, menos deslumbrante que Itália.  Mas passado algum um tempo e depois de recuperar a respiração, você começa a olhar ao seu redor e se da conta de que Holanda tem moinhos de vento… Holanda tem tulipas. Holanda tem também Rembrandts.
Mas todos os seus conhecidos estão ocupados indo e voltando da Itália, ostentando os dias maravilhosos que passaram lá e para o resto da sua vida você dirá “Sim para lá era onde eu supus que iria. Isso e o que eu havia planejado.”.
E a dor disso nunca vai embora… porque é a perda de um sonho, é uma significante perda.
Mas… se você desperdiça sua vida lamentando o fato de nao ter chegado à Itália, você poderá nunca ser livre para curtir muitas coisas especiais e adoráveis… sobre a Holanda.

O texto é muito bonito e por tratar-se de perdas e ganhos nos sentimos bastante identificados com ele. Lembro-me que o reli muitas vezes e que algo me deixava inquieta, muitas eram as perguntas que se formavam em minha cabeça e em meu coração. Será que realmente estávamos tristes com o fato de não ir à Itália? Na verdade nem sabíamos se realmente havíamos sonhado toda nossa vida com isso. Será que nossa surpresa ao chegar à Holanda foi assim tão assustadora?
Nessa hora lembrei-me do momento em que a pediatra nos deu a notícia de que Adam tinha características de Síndrome de down, nossa reação foi tão normal que ela pensou que pelo fato de eu ser brasileira e Bibi alemão não havíamos entendido o que ela nos dizia.
Ainda hoje não sei que reação ela esperava, ou estava acostumada a receber dos pais ao dizer “bem vindos a Holanda”. Para nós uma única troca de olhares foi suficiente para entendermos que sim, estávamos assustados com o novo lugar que iríamos conhecer, mas em nenhum momento deixamos de curtir a possibilidade de estar em um lugar diferente e, sem sombra de dúvida, não menos interessante do lugar com o qual havíamos imaginado.  Hoje, passados oito meses, pensamos que esta talvez não foi a viagem com a qual sonhamos, mas sem sombra de dúvida é a melhor viagem de nossas vidas.




[1] O texto original pode ser visto no site http://www.our-kids.org/archives/Holland.html. A tradução para o português foi feita por mim especialmente para esse blog.

29 de set. de 2011

Quando tudo começou ...



“Tudo vale a pena se a alma não e pequena”
Fernando Pessoa

Nasci numa pequena cidade do sul do Brasil, meu marido numa pequena cidade no norte da Alemanha, 35 anos depois nos encontramos numa bonita e alegre cidade no do nordeste da Espanha, Barcelona e de lá partimos juntos para grande e fascinante Londres. Em Londres decidimos que era hora de formamos uma família e foi quando eu engravidei do Adam.

Em função de minha idade,  além dos testes tradicionais - exame de sangue e exame de translucência nucal, eles também me ofereceram a amniocentesis para ver o “risco” de ter um bebê com SD e declinamos desde o primeiro momento. Não queríamos correr o risco de um aborto espontâneo simplesmente por curiosidade, pois caso o teste desse positivo para a SD não faríamos nada para interromper a gravidez (vale salientar que na Inglaterra o aborto é permitido e muito comum quando se detecta que o bebê tem T21).

Nos primeiros dias de gravidez (quando ainda não sabíamos) tive um sonho no qual meu filho tinha SD. Nessa madrugada acordei meu marido, lhe contei o meu sonho e ficamos conversando até de manhã. Naquele dia fomos trabalhar com o sentimento tranquilo de que se fomos escolhidos para termos um filho com SD esta também nos parecia uma linda historia a ser vivida.

A ideia de ter um filho com SD me acompanhou até o dia em que recebi o teste  de sangue no qual demonstrava que o meu risco de ter um bebê com SD era de 1:1500 (mais baixo  que o normal para minha idade na época) e o exame de translucência nucal não apontou nenhuma anomalia fetal. Nesse dia guardei o sonho no inconsciente e curti minha gravidez de maneira tranquila e sem contratempos até o fim.

Então numa linda manha de janeiro, duas semanas antes do previsto, Adam chegou e após alguns minutos fomos informados de que ele possivelmente tinha SD. Nesse momento meu marido e eu trocamos um olhar de cumplicidade, afinal de certa forma já estávamos preparados para isso e o fato de ter síndrome de Down em nada maculou nossa alegria de tê-lo em nossos braços, era o nosso filho, com aqueles olhinhos puxados e assustados que nos teria como pais, como amigos, como confidentes, como protetores, como porto seguro para toda sua vida. Se pensamos que o amávamos durante os últimos nove meses, foi somente nessa hora que pudemos perceber o verdadeiro significado do amor.

Entretanto passados as primeiras horas nas quais a gente se concentrou na felicidade que sentíamos por sermos pais daquele ser tão pequeno, começaram a chegar as preocupações pela sua saúde e pela sua vida. Meu marido ainda no primeiro dia foi para casa e passou toda a noite na internet lendo sobre a SD e o que encontrou não foi nada alentador e lhe causou muita insegurança e medo de perder nosso bebê. Problemas relacionados a uma infinidade de doenças, baixa qualidade de vida e baixa estimativa de vida, além de textos preconceituosos foram os dados que mais apareceram nos resultados de busca em idiomas diferentes, alemão, inglês e espanhol. Insegurança e medo que ele bravamente conseguiu esconder de mim nos primeiros dias, já que eu vivia outro drama, queria muito amamentar, mas meu bebê não pegava no peito e eu  não via na equipe do hospital um empenho para que meu sonho fosse concretizado, desde o primeiro dia me ofereceram leite de fórmula e foi com muito pesar que tive que ceder pois o pediatra me trouxe um diagnóstico de desidratação o que me assustou muito. Chorei compulsivamente nesse dia e senti na pele como os hospitais não estão preparados para receber uma criança com SD, mesmo em países considerados desenvolvidos e referência no tema.

Passados os primeiros dias e com o apoio da família fomos pouco a pouco nos tranquilizando e encontrando aqui e ali textos mais alentadores na internet e livros excelentes que nos foram enviados por amigos e familiares. Também  a cada exame que Adam fazia e recebia o resultado negativo ( o de coração era nosso maior medo e deu negativo em  todos os 3 exames diferentes que ele fez) fazia com que nosso sentido de guarda fosse relaxando e pudéssemos dormir tranquilos entre uma mamada e outra.

Saber da trissonomia somente após o nascimento a meu ver tem suas vantagens, pois os medos e angústias que você passa quando recebe o diagnóstico são mais fáceis de superar quando você está com teu bebê nos braços. Entretanto o desconhecimento da síndrome e a falta de informações fidedignas podem transformar essas primeiras semanas em uma experiência bastante difícil.

Espero nesse espaço poder contar algumas historias de nossas vidas, com o intuito de não só mostrar que uma criança com SD é como todas as outras, mas também informar. Acredito que para nos pais o principal desafio é perceber que nosso filho é único e que a SD e uma condição que ele possui, mas não o resume como ser humano. 

Minha primeira foto de famila !