Existem textos que vira e mexe aparecem na vida
da gente e fico muito feliz quando isso acontece, pois a releitura propicia à
reflexão e nos faz perceber como nos transformamos sem muitas vezes não nos darmos. O texto Bem-vindo à Holanda da escritora Emily Pearl Kingsley é
um bom exemplo disso, o li quando Adam tinha apensas alguns dias de vida e mais
tarde o publiquei nos primeiros posts do blog. Nessa época já havia percebido
uma diferença entre a Deisy que ainda estava esperando para descer do avião recem aterrado na Holanda e a
que já havia passeado pelos campos de tulipas, e pensei: - “Peraí” será que eu
realmente me preparei a vida inteira para ir à Itália?
De lá pra cá muitas foram as
vezes que “topei" com ele por aqui e ali e em cada uma delas, uma nova reflexão
surgia, proporcionando-me uma maior compreensão da maturidade advinda da
maternidade de uma criança com deficiência. Entretanto há alguns dias conheci
uma mãe e sua história, que me fizeram pensar em contá-lo de maneira um pouco
diferente.
Imagine que você compra uma passagem para ir à
Itália, na hora do check-in eles te dizem que esse avião vai para a Holanda e
lhe dão a possibilidade de pegá-lo ou adiar a viagem. Depois de pensar sobre
como seria conhecer um lugar no qual você nunca planejara ir, você decide viver
essa experiência e enquanto espera o embarque, compra guias de turismo e um
dicionário de holandês para ler na viagem, se prepara para aprender um idioma
que você nunca tinha ouvido antes, e já se delicia com as tulipas, os moinhos
de vento, os Rembrandts. Mas então, quando o avião aterrissa, vem a voz do
comandante e diz, bem-vindo à Itália!
Como? Sei que estamos mais acostumados a ouvir
a história de pessoas que como eu compraram um bilhete para ir à Itália e
aterrissaram na Holanda, mas como seria a história das pessoas que fizeram o
percurso contrário, como é o caso da mãe que citei acima?
“Lutei muito para ficar grávida, foram muitos anos de tentativas e muitos abortos espontâneos, até que um dia minha gravidez chegou na 14a semana. Após o ultrassom, meu obstetra me disse que havia uma grande probabilidade de que meu bebê tivesse SD, mas para uma comprovação era preciso fazer uma amniocentese. Cheguei em casa e juntamente com meu marido fomos procurar mais informações sobre tal teste e lemos que havia um risco de aborto. Decidimos pelo não, eu que já havia pensado que nunca seria mãe, não correria o risco de perder meu bebê, até por que não tínhamos certeza se interromperíamos a gestação, caso o teste desse positivo.
“Lutei muito para ficar grávida, foram muitos anos de tentativas e muitos abortos espontâneos, até que um dia minha gravidez chegou na 14a semana. Após o ultrassom, meu obstetra me disse que havia uma grande probabilidade de que meu bebê tivesse SD, mas para uma comprovação era preciso fazer uma amniocentese. Cheguei em casa e juntamente com meu marido fomos procurar mais informações sobre tal teste e lemos que havia um risco de aborto. Decidimos pelo não, eu que já havia pensado que nunca seria mãe, não correria o risco de perder meu bebê, até por que não tínhamos certeza se interromperíamos a gestação, caso o teste desse positivo.
A partir desse dia eu me preparei para ter um
filho com SD. Comprei livros, estudei sobre a síndrome, entrei em grupos de
discussão sobre T21 e comecei a receber a revista da associação. Sabia da
importância da intervenção precoce e já havia encontrado fono, fisio e TO
e combinado no trabalho que no primeiro ano, após a licença maternidade,
só trabalharia meio período. Então meu filho nasceu e não tinha SD.
Como? Eu me preparei para ir à Holanda, eu
passei os últimos meses lendo tudo sobre Holanda, eu até aprendi algumas
palavras de holandês e agora vocês me dizem que eu cheguei à Itália?
Minha primeira reação foi de decepção, eu havia
me preparado durante toda a gestação para um filho e ele não veio. Mas é claro
que passadas as primeiras horas e depois de ver a felicidade nos olhos do meu
marido não foi difícil voltar aos planos que havia feito a vida inteira, apesar
de que percebo que muito das coisas com as quais sonhei são mais reais nos
livros de maternidade do que na vida prática e confesso que muitas vezes penso
como seriam nossas vidas caso ele tivesse nascido com SD.
Mas voltando a nossa viagem à Holanda, ou
melhor, à Itália, então o susto passa e você descobre que ela é realmente muito
bonita, mesmo que não seja exatamente como você pensara. Os monumentos estão
lá, mas alguns são menores e outros maiores do que você imaginava, a língua
italiana é fascinante, mas nem sempre é tão romântica, e a macarronada do
restaurante indicado pelo guia não é tão saborosa, mas a do restaurante da rua
de trás do mercado, que você descobriu por acaso, é maravilhosa.
Nesse dia, ao voltar para casa, fiquei pensando em como duas histórias de vida tão diferentes podem ter tanta coisa em comum. A espera por um filho que não veio (e aqui coloco a reflexão da Carol do blog NVCA que falou justamente sobre esse tema no post dessa semana), a capacidade de reaprender, de adaptar-se, de saber viver o novo com a energia da aventura, mesmo que em alguns momentos pensemos na vida que planejamos e não vivemos. A descoberta de novos lugares, de novas perspectivas para as mesmas coisas, a descoberta de moinhos de vento e tulipas na Itália e também um restaurante na Holanda que tem a pizza mais deliciosa que você já provou na sua vida. Mas de tudo isso, acredito que o ponto mais em comum é a certeza de que a vida, a maternidade e o amor são muito mais intensos que uma viagem planejada por uma agência de viagens na qual antes mesmo de chegar já sabemos que o café da manha será servido no salão 4 a partir das 8h da manhã.
Claude Monet's Home and
Garden in Giverny in Spring - Giverny Photo by Ariane Cauderlier.Porque podemos ter tulipas fora da Holanda J