
Algumas
semanas após o nascimento de Adam, recebi de presente de uma amiga o livro Early Communication Skills for Children with
Down Syndrome – A guide for Parents and Professionals escrito pela fonoaudióloga
norte-americana Libby Kumin. Creio que já citei esse livro em vários posts
porque simplesmente ele é maravilhoso. Além de conter informações bastante
aprofundadas em relação ao funcionamento do aparelho fonador e dos processos de
comunicação de maneira geral e mais especificamente das pessoas com SD, ele
traz também muitos exercícios que fazem da leitura um real acesso à aprendizagem
e prática efetiva para ajudar nossos pequenos na construção do conhecimento das
palavras que culminará na fala.
Ao
começar a ler o livro, me deparei com conceitos que já havia estudado nos meus
tempos de Universidade, entretanto pouco a pouco fui percebendo o quão
diferente pode ser o olhar sobre um texto, dependendo do porquê você o está
lendo. Meu papel agora não era mais o de uma estudante que mais tarde iria
ensinar aos alunos o conceito de comunicação, linguagem e fala, mas sim a de
quem iria entender de que maneira esse conhecimento
poderia ajudar o meu garoto a aprender a falar.
Já
nos primeiro capítulos Kumin nos esclarece algo que parece obvio, mas nem
sempre temos em mente quando expectamos que nossas crianças falem, antes de
podermos articular uma palavra, precisamos entender seu significado, ou seja,
ensinar uma criança a falar deve começar pelo ensino das palavras e de seus
significados. Esse processo se dá de maneira natural a todos nós quando
aprendemos a falar e também quando aprendemos um novo idioma, e não poderia ser
diferente com pessoas com deficiência intelectual, entretanto para que o
caminho não seja demasiado longo e frustrante para essas pessoas, existe uma série
de recursos que podem ser usados, tanto pelos profissionais da área de
fonoaudiologia e terapia ocupacional, como, e principalmente, por nós pais, com
quem as crianças estão na maior parte do tempo.
O
uso de recursos audiovisuais, tais como imagens (desenhos, fotos, figuras, músicas,
vídeos), de jogos (reais ou virtuais), de atividades que provoquem a ação/contextualização,
ou seja, narrando para a criança as tarefas que fazemos com ela, na hora do
banho falar das partes do corpo, na hora de trocá-la falar o nome dos
vestuários, não hora da comida ensinar o nome dos alimentos, etc. são alguns
exemplos. Além disso, temos outra fonte de aprendizado riquíssima, talvez a
mais rica delas que é a leitura. Mas qual é o momento certo para iniciar a
leitura com nossos pequenos?
Segundo
Kumin “todas as crianças precisam saber sobre livros, ou seja, elas precisam
ver os livros, revistas e outros materiais de leitura em casa e em ambiente
escolar desde idade bem precoce. Elas também precisam ser leitoras e ter tempo
para explorar os livros, pois elas podem virar as páginas e olhar através das
figuras em um livro bem antes que elas estejam realmente preparadas para lê-lo.
Quando adultos e crianças leem um livro juntos, estas constroem muitas
habilidades de pré-leitura tais como: de que maneira segurar um livro, ler no
topo até o final da página e da esquerda para a direita, reconhecer que as
palavras impressas têm marcas ou rabiscos na página e também perceber a progressão
página por página. A leitura também ajuda a ensinar e reforçar conceitos de
linguagem. Quando você lê para seu filho, você o ajuda a desenvolver
habilidades de recepção de linguagem, ajuda-o a aumentar sua compreensão,
ajuda-o a ouvir as diferenças entre os sons e de maneira geral, propicia a
estimulação da linguagem. Por exemplo, se você for a um piquenique e então ler
um livro sobre piquenique, ou quem sabe fazer um livro pessoal usando suas
próprias fotos, você reforçará o vocabulário e conceitos que vêm com a palavra piquenique”.
A
especialista também frisa a importância que tem a escolha dos livros, pois a
ideia é fazer com que o conhecimento seja construído passo a passo, e sempre de
maneira acessível à criança leitora. Nesse momento é importante saber que o
processo de aprendizagem das palavras se dá por fase, primeiramente a criança
aprende o significado de apenas uma palavra isoladamente, papai, mamãe, da,
mais, meu, quer, bola, “au au” , “mimi”, etc. Essa a fase é chamada por Kumin
de “The One-Word Stage”. Depois vem a
fase de duas ou três palavras, que é quando a criança começa a juntar as
palavras formando pequenas frases, “meu bola”, “mamãe dá”, “mimi quer”, etc. Essa
fase é chamada por Kumin de “The Two-and
Three-Word Stages” e só acontecerá depois que a criança já tiver domínio de
um considerável número de palavras isoladas.
Quando
a criança ainda está na primeira fase, ou seja, na “The One-Word Stage”, devemos procurar
escolher livros baseados nos interesses e experiências dela, se vivemos em uma
cidade grande, procuremos livros que contenham imagens de edifícios, carros,
ônibus, metrô. Se vivemos em uma pequena cidade, ou costumamos passar os finais
de semana em uma fazenda, propiciemos livros com animais, lagos, rios, árvores, campos, pois é muito importante que possamos
“tirar” do livro as imagens e transpô-las para a vida real, ou seja, comparar o patinho que aparece no livro, com
o patinho da vida real.
A
autora ainda nos dá outras dicas, escolher livros com ilustrações coloridas; limitar
o número de imagens em uma página de acordo com a habilidade visual da criança
e ao nível de atenção; Limitar o tamanho do texto de forma que a criança
mantenha o interesse (se percebemos que ela não está mais prestando atenção na história,
tentemos chamar a atenção dela fazendo perguntas sobre o que estamos lendo, se
ainda assim ela não se mantem atenta, encurtemos o texto e viremos a página); Criar
um “livro pessoal” (livro feito com fotografias que retratem as atividades diárias
da criança, seus familiares e amigos), pois crianças adoram ler livros sobre
elas e sobre as experiências delas e isso aumenta sua motivação para ler ; e o
mais importante de tudo, tornar a leitura uma experiência amorosa,
compartilhada.
Outro
aspecto muito importante nesse processo é o incentivo na participação da
criança no processo de leitura, que vai aumentando conforme as habilidades dela
vão se desenvolvendo. Podemos começar por apontar os personagens do livro e falar
sobre eles, sobre o que está acontecendo, descrevendo a ação. Também podemos
usar as bonecas, bichinhos de pelúcia e criar pequenos diálogos, dando vida aos
personagens. Quando a criança já consegue articular algumas palavras essa
atividade pode ser aproveitada para incentivar a repetição das palavras
conhecidas e a apropriação de novo vocabulário. Também é um ótimo momento para “descobrirmos”
o que ela quer dizer com aquele som ou sinal, caso se use a linguagem de sinais
com a criança, pois muitas vezes em função das dificuldades de articulação, não
conseguimos entender o que nossos pequenos estão falando.
A
questão da compreensão é muito importante, pois muitas vezes por não se sentir
entendida, a criança acaba se retraindo e deixando de falar. Adam recentemente começou
a dizer “bibi” e eu não conseguia descobrir o que significava. Em principio
achei que fosse o papai, pois esse é seu apelido, mas então, quando contava uma
historinha em alemão e disse a palavra liebe (que se lê libe = amor) Adam
repetiu “bibi”. Precisava ver a cara de felicidade dele, quando ele percebeu
que a mamãe entendeu o que ele estava falando. Ainda nesse aspecto é muito
importante que não nos preocupemos em corrigir a criança, devemos apenas
repetir a palavra corretamente, dando modelos e deixar que esse processo aconteça
de maneira natural.
Para
concluir, é muito importante ter em mente que crianças com SD podem ler muitos
diferentes conceitos e podem continuar expandindo seu vocabulário por toda sua
vida, entretanto é durante o “The One-Word
Stage” que a criança começa a preparar o terreno real para a aprendizagem da
língua mais tarde. Como pais podemos participar desse processe de maneira
ativa, provendo-a de experiências que expandirão o seu vocabulário enquanto
ensinamos a elas sobre pessoas, objetos, além de forçar experiências
linguísticas. Vale lembrar também que, como em qualquer processo e em qualquer
idade, o aprendizado é muito mais efetivo quando sentimos prazer em aprender,
portanto é muito importante que não passemos a ideia de que a aprendizagem é
algo penoso, mas sim mostrar que a comunicação é gratificante e agradável e que
valorizamos a comunicação, com isso nossos pequenos se sentirão muito mais motivados
para aprender.
PS.:
Enquanto lia este texto para o Pai, Adam pegou um livro, colocou-se atrás de
mim e começou a imitar-me, marcando as minhas pausas e entonações. :)
Como eu me divirto com o "tio" Beno lendo para mim!
Nenhum comentário:
Postar um comentário