Sempre
tive uma boa qualidade de sono e uma das coisas que mais me impressionava (para
não dizer assustava) quando estava grávida do Adam era saber que noites
inteirinhas de sono seriam algo muito remoto nas minhas lembranças. Assim, me
preparei psicologicamente para despertar intermináveis vezes durante a
madrugada para amamentá-lo, acalmá-lo de uma crise de cólica ou niná-lo para que
voltasse a dormir (mesmo contrariando conselhos dos mais velhos e de especialistas).
E então Adam chegou e com ele o silêncio, pois se tem uma coisa que nosso
pequeno gostava era de dormir. Já nas primeiras semanas de vida eu colocava um
despertador no meio da noite para amamentá-lo, caso contrário ele dormiria até o
dia seguinte. Aos dois meses de idade ele já passou a dormir seis horas
seguidas. Pensei que fosse uma característica herdada de mim, porém mais tarde
falando com outras mães descobri que isso é uma característica comum em bebês
com SD.
Mas se quando nascem eles são calminhos, com o passar dos meses nossos pequenos entram numa outra
estatística, não tão tranquila como a primeira, a das pessoas que têm maior índice de distúrbios
do sono ou “sleep disorders” como
dizem nos países de língua inglesa. Segundo Dra. Rebecca Stores da University
of Portsmouth School em UK, cerca de 80% das crianças com deficiência intelectual
apresentam algum distúrbio do sono, 40% delas está na comunidade com SD, índices
extremamente altos considerando-se que o percentual da comunidade em geral é de 20%.
Adam
começou a mostrar que as noites não são mais feitas apenas para dormir por
volta dos 10, 11 meses de idade. Se antes ele dormia tranquilamente antes que
eu terminasse a última das seis canções de ninar, logo tive que aumentar meu
repertorio e apelar para caixinhas de música que pudessem me substituir quando
a garganta começava a doer e o repertorio acabar. E olha que tínhamos o recurso
de cantar em três idiomas. Entretanto desde o inicio percebi que se ele tinha
dificuldades para dormir o mesmo não se passava durante a noite, uma vez
adormecido ele assim permanecia até de manhã e após algumas pesquisas e trocas
de e-mails entre familiares de crianças com SD percebi que essa é uma característica
comum e ainda existem problemas mais graves.
Mas
que problemas são esses e de que maneira podem afetar a saúde física e mental
de nossas crianças?
Primeiramente
é preciso conhecer as fases ou etapas do
sono, que se dividem em duas: a fase REM do inglês “Rapid Eye Movement” e a fase
não-REM (NREM). A fase REM é um estado
relativamente ativo, no qual entre outras características seus olhos fazem
movimentos rápidos durante o estado de sono (dai o nome) e a respiração e a
frequência cardíaca são irregulares. É durante esse estado de sono que mais
sonhos ocorrem e também é nessa fase que as informações da memória curta são transferidas à memoria longa, portanto essa
fase é muito importante nos processos cognitivos. Já a fase NREM é composta por
quatro etapas que vai da sonolência ao sono profundo, esta última se
caracteriza pela dificuldade em ser acordado. É nessa fase que ocorre a
secreção dos hormônios do crescimento, nosso
organismo libera as toxinas e regenera as células, ou seja, é essencial para a
recuperação de energia física.
Bem,
se o sono em suas diferentes etapas é o responsável pela regeneração do
organismo, podemos deduzir que noites mal dormidas ou poucas horas de sono
podem causar diversos problemas de ordem física e mental.E
quais as consequências de uma noite mal dormida?
Crianças
com sono muito perturbado são mais propensas a ter um comportamento
problemático tais como falta de concentração, irritabilidade, hiperatividade,
agressividade, problemas de aprendizagem e redução da atenção e de
concentração. Como já foi dito, estes efeitos são ainda mais importantes se
presentes em uma criança com dificuldades de aprendizagem, pois podem aumentar
significativamente o nível de atraso já experimentado e podem também serem interpretados
como parte da condição “difícil” da criança.
Cabe
salientar que além dos efeitos prejudiciais sobre a criança, a má qualidade do
sono de um filho acarreta em má qualidade de sono dos pais e outros membros da
família. Estudos demonstram que mães de crianças com diagnóstico de distúrbios do sono têm níveis de estresse mais
elevado, aumento da irritabilidade, relações conjugais mais pobres e uma maior predisposição
a atitudes negativas em relação a seu cônjuge, a seus filhos e a si mesmas.
É
importante destacar que praticamente todos os problemas do sono que ocorrem em
crianças com síndrome de Down ou outros casos de deficiência intelectual são os
mesmos que ocorrem nas crianças em geral. Não há problemas de sono específicos de nossas crianças.
O
problema de ordem física/clinica mais comum é a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). Estudos têm mostrado
consistentemente que crianças com síndrome de Down são mais propensas a SAOS
que crianças na população em geral. Isso se dá devido a várias características
físicas associadas à condição, incluindo uma maior flexibilidade dos músculos da
garganta, aumento das amídalas e adenoides e uma via aérea superior menor. SAOS
ocorre como resultado do estreitamento
das vias áreas superiores , que se tornam bloqueadas ou frouxas repetidamente
durante o sono. Cada vez que isso ocorre a respiração para por um tempo e a pessoa
acorda porque não consegue respirar. Essas interrupções na respiração 'apneias'
podem ocorrer centenas de vezes durante a noite e é a frequência desses eventos
que determina a severidade e se o tratamento é necessário.
Como
características noturnas podemos observar a combinação de ronco alto, tosse ou
asfixia, ruídos, sono agitado, dormir com a cabeça inclinada para trás (para
tentar abrir as vias aéreas), além de dormir em posições incomuns, respiração
interrompida repetidamente, transpiração excessiva e possivelmente enurese. As consequências
diurnas da SAOS incluem sonolência excessiva, mudanças de comportamento, déficit
de concentração e memória fraca. Cabe ressaltar que a presença de alguns ou muitos desses sintomas não pode
ser considerada um diagnostico preciso para a apneia, um estudo do sono realizado
por um especialista é geralmente necessário para diagnosticar o problema e
estabelecer a sua gravidade.
Mas
e as causas de ordem comportamental?
Segundo
estudo publicado na revista da Down’s Syndorme Asociation UK muitas vezes os
problemas comportamentais são mais causadores de distúrbios do sono que os de
ordem clínica, e essa tendência tende a ser bastante alta também com nossas crianças,
seja pela falta de limites, pelo excesso de zelo ou pela falta de tempo ou
interesse em estabelecer uma rotina. Um dos aspectos mais comuns é a
dificuldade de estabelecer horários para a criança dormir, se crianças de um
modo geral precisam de rotina, para crianças com SD ela é fundamental. Acostumar
a criança a dormir apenas com a presença de um dos pais, colocá-la para dormir na
cama dos pais ou no sofá da sala e depois passá-la para sua cama também são fatores
que podem impedir uma tranquila noite de sono, uma vez que ao se despertar e
ver-se sozinha em sua cama, ela vai querer voltar para junto dos pais e o choro
é sua maneira de chamar a atenção.
Perceber
se o comportamento difícil de nossas crianças na hora de dormir é consequência de
alguma desordem do sono, seja física ou comportamental não é tarefa fácil.
Muitos fatores ambientais interferem em nossa percepção, no inverno vêm os
resfriados e tosses, principalmente para os que já vão para a escola, na
primavera vem o excesso de pólen e com ele as alergias e narizes trancados, no verão
o excesso de calor e ruído, já que as pessoas estão nas ruas até bem mais
tarde, no outono há muita mudança brusca de temperatura. Por isso o diagnóstico
de um profissional é muito importante, só ele poderá detectar se há um problema
clínico, comportamental ou em muitos casos os dois, e indicar-nos o melhor
tratamento, lembrando que distúrbios clínicos devem ser tratados antes dos
comportamentais.
Apesar
de dormir toda a noite, Adam sempre teve um sono agitado, mudando de posição diversas
vezes durante a noite e mais recentemente começou a despertar-se, às vezes
dorme em seguida, às vezes chora bastante.
Os resultados dos exames e os possíveis tratamentos falarei no próximo post.
Também aproveitarei para dar algumas dicas de como observar se nossa rotina (ou
a falta dela) pode estar interferindo no acesso dos nossos filhos ao
maravilhoso mundo dos sonhos.