19 de jun. de 2013

Nos braços de Morfeu!

Sempre tive uma boa qualidade de sono e uma das coisas que mais me impressionava (para não dizer assustava) quando estava grávida do Adam era saber que noites inteirinhas de sono seriam algo muito remoto nas minhas lembranças. Assim, me preparei psicologicamente para despertar intermináveis vezes durante a madrugada para amamentá-lo, acalmá-lo de uma crise de cólica ou niná-lo para que voltasse a dormir (mesmo contrariando conselhos dos mais velhos e de especialistas). E então Adam chegou e com ele o silêncio, pois se tem uma coisa que nosso pequeno gostava era de dormir. Já nas primeiras semanas de vida eu colocava um despertador no meio da noite para amamentá-lo, caso contrário ele dormiria até o dia seguinte. Aos dois meses de idade ele já passou a dormir seis horas seguidas. Pensei que fosse uma característica herdada de mim, porém mais tarde falando com outras mães descobri que isso é uma característica comum em bebês com SD. 

Mas se quando nascem eles  são calminhos, com o passar dos meses nossos pequenos entram numa outra estatística, não tão tranquila como a primeira, a das pessoas que têm  maior índice de distúrbios do sono ou “sleep disorders” como dizem nos países de língua inglesa. Segundo Dra. Rebecca Stores da University of Portsmouth School em UK, cerca de 80% das crianças com deficiência intelectual apresentam algum distúrbio do sono, 40% delas está na comunidade com SD, índices extremamente altos considerando-se que o percentual da comunidade em geral é de 20%.

Adam começou a mostrar que as noites não são mais feitas apenas para dormir por volta dos 10, 11 meses de idade. Se antes ele dormia tranquilamente antes que eu terminasse a última das seis canções de ninar, logo tive que aumentar meu repertorio e apelar para caixinhas de música que pudessem me substituir quando a garganta começava a doer e o repertorio acabar. E olha que tínhamos o recurso de cantar em três idiomas. Entretanto desde o inicio percebi que se ele tinha dificuldades para dormir o mesmo não se passava durante a noite, uma vez adormecido ele assim permanecia até de manhã e após algumas pesquisas e trocas de e-mails entre familiares de crianças com SD percebi que essa é uma característica comum e ainda existem problemas mais graves.

Mas que problemas são esses e de que maneira podem afetar a saúde física e mental de nossas crianças?

Primeiramente é preciso conhecer  as fases ou etapas do sono, que se dividem em duas: a fase REM do inglês “Rapid Eye Movement”  e a fase não-REM (NREM).  A fase REM é um estado relativamente ativo, no qual entre outras características seus olhos fazem movimentos rápidos durante o estado de sono (dai o nome) e a respiração e a frequência cardíaca são irregulares. É durante esse estado de sono que mais sonhos ocorrem e também é nessa fase que as informações da memória curta são transferidas à memoria longa, portanto essa fase é muito importante nos processos cognitivos. Já a fase NREM é composta por quatro etapas que vai da sonolência ao sono profundo, esta última se caracteriza pela dificuldade em ser acordado. É nessa fase que ocorre a secreção dos hormônios do crescimento, nosso organismo libera as toxinas e regenera as células, ou seja, é essencial para a recuperação de energia física.

Bem, se o sono em suas diferentes etapas é o responsável pela regeneração do organismo, podemos deduzir que noites mal dormidas ou poucas horas de sono podem causar diversos problemas de ordem física e mental.E quais as consequências de uma noite mal dormida?

Crianças com sono muito perturbado são mais propensas a ter um comportamento problemático tais como falta de concentração, irritabilidade, hiperatividade, agressividade, problemas de aprendizagem e redução da atenção e de concentração. Como já foi dito, estes efeitos são ainda mais importantes se presentes em uma criança com dificuldades de aprendizagem, pois podem aumentar significativamente o nível de atraso já experimentado e podem também serem interpretados como parte da condição “difícil” da criança.

Cabe salientar que além dos efeitos prejudiciais sobre a criança, a má qualidade do sono de um filho acarreta em má qualidade de sono dos pais e outros membros da família. Estudos demonstram que mães de crianças com diagnóstico de distúrbios do sono têm níveis de estresse mais elevado, aumento da irritabilidade, relações conjugais mais pobres e uma maior predisposição a atitudes negativas em relação a seu cônjuge, a seus filhos e a si mesmas.

É importante destacar que praticamente todos os problemas do sono que ocorrem em crianças com síndrome de Down ou outros casos de deficiência intelectual são os mesmos que ocorrem nas crianças em geral. Não há problemas de sono específicos de nossas crianças.

O problema de ordem física/clinica mais comum é a Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS). Estudos têm mostrado consistentemente que crianças com síndrome de Down são mais propensas a SAOS que crianças na população em geral. Isso se dá devido a várias características físicas associadas à condição, incluindo uma maior flexibilidade dos músculos da garganta, aumento das amídalas e adenoides e uma via aérea superior menor. SAOS ocorre como resultado do estreitamento  das vias áreas superiores , que se tornam bloqueadas ou frouxas repetidamente durante o sono. Cada vez que isso ocorre a respiração para por um tempo e a pessoa acorda porque não consegue respirar. Essas interrupções na respiração 'apneias' podem ocorrer centenas de vezes durante a noite e é a frequência desses eventos que determina a severidade e se o tratamento é necessário.

Como características noturnas podemos observar a combinação de ronco alto, tosse ou asfixia, ruídos, sono agitado, dormir com a cabeça inclinada para trás (para tentar abrir as vias aéreas), além de dormir em posições incomuns, respiração interrompida repetidamente, transpiração excessiva e possivelmente enurese. As consequências diurnas da SAOS incluem sonolência excessiva, mudanças de comportamento, déficit de concentração e memória fraca. Cabe ressaltar que a presença de alguns ou muitos desses sintomas não pode ser considerada um diagnostico preciso para a apneia, um estudo do sono realizado por um especialista é geralmente necessário para diagnosticar o problema e estabelecer a sua gravidade.

Mas e as causas de ordem comportamental?

Segundo estudo publicado na revista da Down’s Syndorme Asociation UK muitas vezes os problemas comportamentais são mais causadores de distúrbios do sono que os de ordem clínica, e essa tendência tende a ser bastante alta também com nossas crianças, seja pela falta de limites, pelo excesso de zelo ou pela falta de tempo ou interesse em estabelecer uma rotina. Um dos aspectos mais comuns é a dificuldade de estabelecer horários para a criança dormir, se crianças de um modo geral precisam de rotina, para crianças com SD ela é fundamental. Acostumar a criança a dormir apenas com a presença de um dos pais, colocá-la para dormir na cama dos pais ou no sofá da sala e depois passá-la para sua cama também são fatores que podem impedir uma tranquila noite de sono, uma vez que ao se despertar e ver-se sozinha em sua cama, ela vai querer voltar para junto dos pais e o choro é sua maneira de chamar a atenção.

Perceber se o comportamento difícil de nossas crianças na hora de dormir é consequência de alguma desordem do sono, seja física ou comportamental não é tarefa fácil. Muitos fatores ambientais interferem em nossa percepção, no inverno vêm os resfriados e tosses, principalmente para os que já vão para a escola, na primavera vem o excesso de pólen e com ele as alergias e narizes trancados, no verão o excesso de calor e ruído, já que as pessoas estão nas ruas até bem mais tarde, no outono há muita mudança brusca de temperatura. Por isso o diagnóstico de um profissional é muito importante, só ele poderá detectar se há um problema clínico, comportamental ou em muitos casos os dois, e indicar-nos o melhor tratamento, lembrando que distúrbios clínicos devem ser tratados antes dos comportamentais.

Apesar de dormir toda a noite, Adam sempre teve um sono agitado, mudando de posição diversas vezes durante a noite e mais recentemente começou a despertar-se, às vezes dorme em seguida, às vezes chora bastante.  Os resultados dos exames e os possíveis tratamentos falarei no próximo post. Também aproveitarei para dar algumas dicas de como observar se nossa rotina (ou a falta dela) pode estar interferindo no acesso dos nossos filhos ao maravilhoso mundo dos sonhos.







Morfeu – da mitologia grega, deus dos sonhos. A expressão nos braços de Morfeu é usada como sinônimo de “dormir bem”.


Fontes de pesquisa:
Susan J. Skallerup, Babies with Down Syndrome – A New Parent’s Guide. 3a edição



2 comentários:

  1. Teve uma época que meu Vini estava dormindo muito mal, tanto que eu decidi começar a investigar algum problema de saúde. Levei ao neurologista, depois a gastro pediatra e todos os exames foram normais. Depois de quase um mês da visita aos médicos, ele começou a dormir melhor, parece que foi uma fase mesmo... Mas ele acorda cedo, 6h30m, estourando 7h da manhã ele tá reclamando de fome, isso de domingo a domingo! Eeee... vida de mãe não é fácil! :)

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  2. Oi Natalia, ter apneia eh algo bem mais comum que a gente pensa, um resfriado, uma renite, ar demasiado seco ou humedo ja podem contribuir para que tenhamos essas paradas respiratorias enquanto dormimos, a frequencia em que elas acontecem eh o que determina a necessidade de uma intervencoa, pois pode resultar no desgaste fisico, falta de concentracao e sonolencia durante o dia. Nossos pequenos, em funcao da anatomia facial (ponte aerea menor e musculatura da face mais flacida o que pode dificultar a passagem do ar) tem uma maior predisposicao as apneias. Alem disso adenoides e amigdalas grandes, tbem bastante comuns, sao um outro complicador. Pode ser que essa fase inquieta do sono do Vini foi apenas uma fase, pode que foi pq na epoca algo fisico o estava impedindo de ter um sono tranquilo. Se essa fase voltar, o melhor eh fazer uma visita ao otorrino e ver como sao as amigdalas e tbem a adenoide. abracos.

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